Onde cabem a
construção dos saberes? (parte I)
Num destes
dias de canícula, sentados à sombra da taverna do Formiga, enquanto arrotávamos
umas minis, falávamos sobre a Escola pública.
- Tantas asneiras se fizeram nestas últimas
décadas que a escola pública “anda c’a lua cabrêra” compadre.
- Como assim
compadre?!
- Tornou-se
injusta, desigual, racista, burocrática e sem a capacidade de permitir aos mais
desfavorecidos dar o salto social. O conhecimento deixou de ser importante, a
violência, infelizmente, tem vindo a crescer. Parece que a escola e as famílias
desistiram de ensinar! O professor que deveria ser a maior referência para a
sociedade (entenda-se alunos e família) perdeu todo o seu valor histórico
e social, tornando-se numa espécie de
“ama seca (com o devido respeito) de pedagogos políticos e experiências desastrosas.
- Compadre
vossemecê tem que começar a explicar isso. Nunca tivemos tantas escolas,
universidades, politécnicos…
- E nunca
tivemos licenciados que são analfabetos funcionais nem alunos que acabam o
secundário sem saber ler nem escrever!
- Então que
escola pública temos hoje compadre?
- Nesta altura
temos um ensino básico com um currículo totalmente desajustado, inteiramente
virado para o interior da sala de aula, onde impera o absolutismo da
felicidade! Ao aluno é-lhe negada a realidade da vida, porque tudo na vida é
bom e feliz! A disciplina mental e física desapareceu, a noção de que aprender
exige “inspiração e transpiração” foi banida. Encheram as escolas de psicólogos
que nada sabem de pedagogia, e que venderam a ideia de que a escola é um
recreio infantil, que aprender é um jogo, e que os alunos não devem ser
contrariados. Paralelamente, para manter este ideal ”feliz” o ministério promoveu
o uso intensivo de smartphones, tabletes, computadores, jogos... O papel
tornou-se maldito, e foi responsabilizado pela destruição das florestas! Ler um
livro é um ato raro, muito dependente dos pais que leem e incutiram esse hábito
aos filhos, que têm bibliotecas em casa e sabem do valor da leitura para a
construção de vida. Nas escolas existem
bibliotecas e muitos computadores. Os grandes frequentadores são os professores
que não dão aulas ou cumprem horas do artigo 69! Se alguns alunos lá estão,
espantam-se frente aos ecrãs, depois de serem enviados para lá porque os
docentes não estavam para os aturar na sala de aula… evidentemente que existe
um Plano Nacional de leitura, repleto de iminências pardas! Os resultados na
promoção da leitura são cada vez piores! O projeto “dez minutos a ler”
transformou-se numa pausa em sala de aula para alunos e docentes! Será que liam?
Será que lhes foi incutido o prazer de ler? O amor aos livros, à poesia, ao
mistério das palavras escritas, da imaginação, da construção da sabedoria e da
arte literária?
Escreveu
Michel Desmurget neurocientista) no seu livro A fábrica de Cretinos
Digitais, (que recomendo vivamente a todos) : “ Ao contrário do que se
pensava, a profusão de ecrãs a que os nossos filhos estão expostos está longe
de lhes melhorar as aptidões. Na verdade, acarreta consequências pesadas ao
nível da saúde (obesidade, desenvolvimento de doenças cardiovasculares e diminuição
da esperança de vida), em termos de comportamento (agressividade, depressão,
ansiedade) e no campo das capacidades intelectuais (linguagem, concentração e
memorização). Tudo isto afeta gravemente o rendimento escolar dos jovens e o
seu aproveitamento.” À margem de tudo isto, lembro que criminosamente o
ministério da educação fez este ano a aferição de conhecimentos em formato
Digital?!
- Compadre, vossemecê já não acredita nos
jovens?
- Acredito
Compadre. Já não acredito na escola politicamente destruída pela classe
politica nacional nem nos pais ( a maioria apenas reprodutores) que se
aliviaram dos filhos! Mas isso é assunto para a próxima conversa sobre o tema
da desmaterialização dos livros e abandono dos saberes.